Você se foi (T1 Ep.17-10)

(Quarto-Minguante) Sexta-feira, 24 de Janeiro
As meninas passaram as últimas duas semanas a ensaiar para o desfile sob a orientação da Joan. – “As diferentes perspectivas ajudam a elevar o grau de eficácia e o grau de beleza.” Nas suas palavras. – Hoje está planeado o ensaio geral na arena do laboratório. O professor Samuel quer ver o que “temos” preparado e, honestamente, eu também.
A divisão das tarefas foi acordada por todas, mas sinto sempre que podia fazer mais. A mãe diz que tenho de me libertar deste pensamento, pois é um passo para a obsessão de controlo. Não é que não confie nas suas capacidades, nestas últimas duas semanas comecei a ter esta necessidade de preencher até o mais pequeno espaço de tempo. Ajuda a manter a concentração, mantem os meus pensamentos centrados no desfile e limpa os meus sonhos dos pesadelos.
Outra coisa que ajudou a baixar o “stress” em que me sentia, foi falar com a mãe sobre o objectivo que nos levava às reuniões. Ela vira todo o nosso planeamento e a apresentação que tinha organizado para as meninas, pensou que estaria preparada para uma nova responsabilidade. À medida que lhe expliquei a minha perspectiva, compreendeu ser, no meu ponto de vista, cedo demais. Ouve algumas partes que deixei de fora da nossa conversa, pois temia entrar num assunto do qual eu própria pouco conhecia.

Eu não estava preparada, o meu coração estava partido… Talvez todos os passos que damos sejam por um motivo, mesmo que na altura não entendamos o porquê. Eu não consegui dar tudo de mim ao projecto neste momento por estar ferida. Era nova e não sabia separar as coisas. A consciência disto fez-me perceber o quanto teria ainda de aprender, o quanto teria de mudar. Não podia ser mais esta pequena menina assustada. Teria de me armar de conhecimento e aprender a abraçar a realidade que a vida apresenta, deixar as fantasias a onde pertencem, nos sonhos.
Voltar ao laboratório não foi tão difícil como poderia imaginar. Sabia que havia uma remota hipótese de o ver, mas mantive isso fechado dentro de mim e apenas deixei a minha mente vaguear pelo que me esperava do ensaio geral das meninas.
Ele não estava aqui, e cá dentro, bem no fundo eu chorava de mágoa. Sabia que nunca esqueceria a sua memória pelas minhas palavras. Aceitar isso, que Mikhael era apenas uma criação da minha mente, não foi um processo fácil, mas pouco a pouco parecia doer menos a sua ausência. Ainda tinha de fazer um esforço para o manter longe do meu pensamento, aprender a concentrar-me no real, no que está a minha frente, no que posso sentir com as minhas próprias mãos. As meninas são reais, têm trabalhado duro para me ajudarem na realização do meu sonho e é para elas que vai a minha atenção neste momento. O amor é nada mais do que uma fantasia… E como tal ele será mantido somente nos meus sonhos.
Esta ideia estava criando em mim um vazio que não compreendia. De dia para dia este crescia, tornando-me um pouco mais amarga. É difícil deixar partir assim um amor. Temos a ideia de controlo, mas efectivamente não o temos. Há certos aspectos, que a “ideologia do coração” não controla. No que toca a sentimentos a nossa mente trabalha de uma forma que parece independente. Porque sentimos o que sentimos? Porque gostamos de uma pessoa mais do que outra? Porque sentimos esta dor, tão forte cá dentro? Porque escolhemos deixar alguém para trás?! Será que não reconhecemos que magoamos os outros com as nossas palavras e com as nossas acções? E se reconhecemos, fazemo-lo de propósito? O que de facto representa uma pessoa para outra?
Durante semanas procurei por ele, dia após dia percorri todos os cantos da escola. Fiquei sentada na janela do corredor junto da sala de professores enquanto a minha mente vagueava entre todas estas questões e muitas mais. A nenhuma conseguia dar uma resposta concreta. Tudo o que procurava era uma razão para a dor que sentia. A história da Joan sobre as guardiãs era a causa que me levava a tentar racionalizar tudo. Não podia perder a sanidade por uma fantasia, a segurança das meninas dependia de mim. Mikhael era uma fantasia. O conto de fadas que me iludira o coração. Ele era a razão, para o meu sofrimento. Podia culpar a Joan, podia inventar desculpas, mas na realidade ele era a razão… E foi nessa altura que reconheci a necessidade de o deixar ir. Cada vez que voltava sem um sinal da sua presença, um pouco de mim se perdia. Pedaço a pedaço, esta busca sem resposta quebrava-me por dentro.
Apesar de tudo sentia que ele representava a resposta a todas as minhas questões, mas ele escolheu deixar-me para trás e eu tinha de fazer o mesmo, não me iludir mais… Para o bem de todas nós!

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