Um estranho no "Amor" (T1 Ep.18-3)


Hoje será o último dia de entrega de cartas pela escola. Durante o primeiro intervalo da manhã será feita a recolha das caixas de correio e até à hora de almoço a sua distribuição. A última esperança para os corações solitários declararem-se, talvez descobrirem os seus admiradores, ou de encontrarem uma resposta às suas preces. É um risco e tens de estar preparado para o tomar. Tens de te armar de confiança e coragem, pois nem sempre a consciência nos diz o quão expostos ficamos, ignorando a dor que pode advir de uma ferida aberta que, se não bem cuidada, deixará uma cicatriz. Somos todos estranhos no amor e por vezes o medo pára-nos as palavras e os actos, deixando por descobrir “e se”.
O dia de São Valentim é marcado pela alegria, a paixão, o amor e carinho partilhados entres casais de todas as idades, escondendo na realidade a glória da tragédia que fizera nascer este dia. Reza a história que o bispo Valentim, aprisionado por celebrar a união entre jovens apaixonados, proibida pelo imperador, recebia visitas de uma jovem cega, Artérias, e por ela se apaixonara. O então bispo conseguiu um milagre antes da execução da sua sentença, conseguiu restaurar a visão a Artérias, tal era o seu amor.

O amor é conhecido por ser uma das armas mais poderosas à face da Terra, mas por vezes uma simples expressão como “eu te amo” fica contida nos nossos lábios, na nossa falta de coragem em a pronunciar e por entre estes corredores não é uma expressão muito ouvida, a não ser nesta altura. Talvez por sermos jovens e desconhecermos a grandeza desta pequena palavra, não sei a razão, no entanto sei que o que quer que nos mova nesta época de romance ainda agora começou.
Depois do almoço as aulas estarão encerradas, dando lugar à pequena feira dos estudantes. Eu queria ficar no edifício principal, mantinha a esperança de o ver, mas todos os alunos que se voluntariam para ajudar a associação de estudantes nestes eventos são coordenados por eles e não tive a coragem de pedir à Dianne que me mudasse de tarefa. Não queria ser presunçosa, impondo a minha vontade sobre o nosso projecto. Tínhamos só até ao final da hora de almoço para montar a bancada.
Durante todo o fim-de-semana o ginásio estará decorado com corações e ideias românticas, terá actividades e bancas de vendas cheias de objectos expressando pela criatividade “Amor”. Rodeada por todo este ambiente perguntava-me se estava certa na minha descrição, se alguns dos presentes sentira o mesmo, com a mesma intensidade, se estaríamos apenas nos enganando a nós próprios?! Teria Mikhael realmente escrito aquela carta ou seria mais um truque da Joan?!
Joan: Porque me olhas assim?
Rose: Assim como?
Joan: Como se quisesses perguntar ou dizer algo!
Rose: Impressão tua. Não tenho nada para te perguntar que já não o tenha feito e dizer… Provavelmente terias tu muito mais a fazê-lo, com as tuas histórias e tudo mais.
Joan: Continuas chateada…
Rose: Não, não quis dizer nesse sentido. Desculpa, estava só imaginando que muito mais tenhas para nos contar, não só a mim, mas a todas nós… Afinal de contas, tu és a única que manteve as suas memórias… Também não saiu bem. A sério não estou chateada. Já estive e muito, ainda estou processando tudo, mas, de uma forma estranha, compreendo.
Joan: Com o tempo tudo ficará mais nítido…
Rose: Com o “Tempo”… - Sorri com o relance da memória do seu doce olhar, sentia-o tão perto, os seus braços segurando-me…
Joan: O que foi? – A Joan sorria em simpatia por me ver alegre, ela viu a minha dor e pelo mesmo tempo perdera o seu próprio sorriso. Culpava-se por onde me encontrava, mas mais por não ter como me ajudar. Com todo o treino que a fortalecia dia após dia, nada podia fazer, pois estava convencida de que apenas com a ausência de magia o regresso de Anastacia seria possível. – É tão bom ver-te sorrir.
Rose: Eu sinto-me melhor!
Joan: Leste a carta?!
Rose: Sabes quem a enviou?!
Joan: Suspeitei, mas agora tenho a certeza… Ele não te conseguia ver a sofrer assim, queria que soubesses que, embora a sua ausência seja sentida, ele nunca te abandonará.
Rose: Preparada? – Sorri com uma pequena lágrima no canto do olho. Ali estava a minha melhor amiga, ali estava a menina que conhecia e cresci com, generosa e humilde.
Joan: Bem, acho que sim! Tu e a Monic tiveram a tarefa mais difícil eu só tenho de estar aqui. Vamos a isto!
As portas do ginásio estão preste a abrir, estamos ansiosas. Sabemos o quão importante é o resultado deste fim-de-semana, apesar do desfile já estar encaminhado, há muito mais a fazer. Durante toda a tarde estaríamos vendendo os produtos especiais da Coleção Hypnotic Love, divulgando a marca Kat Rose Fashion e o Desfile a realizar-se a pouco mais de um mês com a nova Coleção Primavera/Verão.
Foi um dia repleto de trabalho. Aqui deitada sobre a minha cama sentia-me estranha. Já não tinha o sentimento de perda sobre o peito, sinto a sua ausência, mas de alguma forma encontrei consolo nas suas palavras, “(…) a um segundo de distância (…)”.
Coloquei a caixinha de música a tocar. Recordando a tarde de hoje, vendo casais enamorados passeando alegres, de um lado para o outro, dei comigo a imaginar como seria… Em vários momentos quis chamar pelo seu nome, na esperança que se revelasse a mim… Mas não o fiz.
Embora não admitisse, acho que por esta altura estava rendida a verdade da Joan, apenas não queria deixar de ser eu, tinha medo, que a personalidade que tinha, que a forma como me conhecia se perdesse, que a minha consciência, não o fosse mais, se a sua Katarina, ou Anastacia aparecesse em mim. Não compreendia o que isto realmente significava e receava descobrir. Porém Mikhael estava tão presente… Uma coisa eu sei, lutaria até contra a própria morte por amor! Não importava quantas vidas teria de viver, eu o encontraria, não o deixaria sozinho…
O meu coração começou a acelerar com esta ideia. Vi-me junto a ele… “Mikhael estava ferido, quase inanimado. Tentei puxar a adaga que lhe atravessava o coração. Estava cheia de magia negra… Eu estava lá, mas ele não me viu... Estou sussurrando em seu ouvido que tudo ficara bem, ele não está sozinho. Sorri ao ver a Joan e deixei-me ir embora…”
O que é isto no meu peito?! Queria gritar o seu nome e o fiz nos meus pensamentos – “MIKHAEL” – Com tamanha intensidade eu sentia… Eu o amei… Amo… A sua generosidade, a sua bondade, a sua força, a sua fraqueza, o seu jeito carinhoso, a sua forma bruta… O seu toque… Continuava a sonhar de olhos bem abertos. Não importava o nome, não importava a época, eu amo-o!
Continuava sem me ver como outra pessoa que não fosse a Rose. Mas estes momentos, fora do tempo, eu sentia-me eu mesma e estava ali, junto a ele, moribundo no chão daquela gruta, ferido, nada mais queria do que estar ali, protegê-lo. Tentei alcançar a adaga, foi preciso toda a força que tinha. Havia este véu entre nós, ele não me sentiu, não me viu… E mesmo antes de partir sorri ao ver a Joan, sabendo que ela faria o que eu não podia… Eu estava lá!
Poderia este sentimento quebrar barreiras…

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