Uma Leitora de Almas (T1 Ep.17-11)


O ensaio decorreu sem percalços. As meninas estavam fantásticas, desde a coreografia às músicas que escolheram. Deixei esta parte totalmente à sua responsabilidade e devo dizer que fizeram um trabalho incrível. Com a ajuda e supervisão do professor Samuel acredito que o resultado final ficasse para além das minhas expectativas e mal podia esperar para o ver.
Apesar de me sentir quebrada por dentro, sempre que me encontrava com as meninas sorria com as suas alegrias. Depois do ensaio geral começara as gravações, primeiro uma sessão para teste e posteriormente outra para a demonstração em palco. Este esforço constante que fazia para não demonstrar como realmente me sentia consumia-me sem que me apercebesse o quanto. Estava tão feliz por elas e desiludida comigo mesma.
Na última reunião que tivéramos a Joan estava irredutível quanto a escolha do sítio para o desfile e tinha o apoio completo da Dianne. Já tinham iniciado os preparativos com a ajuda da Sofie e do pessoal do laboratório. Todo o palco estava planeado, para a dimensão e luminosidade previstos ao realizar-se o desfile no jardim do Palácio, o que tornava ainda mais difícil a minha posição. Apreciava a sua dedicação a todo o nosso trabalho, porém parecia que eu tinha de ser a voz da razão, quase um mês passara e nós não tínhamos os recursos suficientes para garantir o espaço, não o que elas queriam.

Tentei procurar um novo sítio para o desfile, mas não consegui encontrar nada que fosse de encontro com as expectativas da Joan e o nosso orçamento real. Tinha este sentimento cá dentro de que deixara ir uma parte de mim e nada mais importava se não a tivesse de volta. Ela nem compreendia o quanto me magoara… Nem ele.
É difícil ver que nos estamos a ir a baixo e não sentir qualquer esperança de melhorar. O único sítio que me sentia eu mesma outra vez era no quarto de costura, quando punha as mãos ao trabalho nada me parecia impossível. Mas no instante que tinha de regressar ao “mundo real” sentia um peso sobre o corpo, os meus pensamentos ficavam enevoados. Não tinha sequer a força para me perguntar porque me deixara ficar assim….

Sábado, 8 de Fevereiro
Com a chegada do fim-de-semana a minha predisposição melhora e muito com a certeza de poder passar o dia entre as minhas criações, no meu mundo mágico, cheio de cor, que espera por mim para dar vida aos desenhos do papel. É aqui o meu refúgio. Este espaço é muito importante e especial para mim, foi aqui que comecei a dar os primeiros passos no corte e costura, é aqui que dou vida às minhas ideias, é aqui que sonho com o meu próprio atelier, cada canto, cada cor, cada detalhe… E com as meninas cá sinto-me quase completa, adoro partilhar com elas o que aqui crio. A magia deste pequeno quarto levanta-me o espírito.
A Monic foi a primeira a chegar. Tem vindo todos os fins-de-semana logo pela manhã cedo para trabalharmos na coleção de São Valentim. Em quatro semanas criamos peças suficientes para cobrirem um terço das despesas do desfile. Com o que nos sobrara do verão passado mais algumas encomendas da coleção regresso às Aulas ficamos a pouco da metade do valor pretendido. O problema estava em conseguir patrocínios para cobrir a outra metade.
Hoje à tarde as meninas vêm juntar-se a nós para criarmos alguns postais. Não será o suficiente, mas tê-las por perto é sempre reconfortante. Apesar do ambiente estranho, crescente, entre mim e a Joan.
Monic: Está tudo bem Rose?
Rose: Sim, está Monic.
Monic: Estás diferente! Algo em ti não é mais o mesmo. Tenho notado que… Pareces triste.
A Monic fala contigo como se te lesse a alma. Eu não queria tocar no assunto, mas…
Rose: Alguma vez sentiste que tudo em teu redor desabava e tudo o que podias fazer era nada?
Monic: Não, nem por isso…
Rose: Bem, eu já. E esse sentimento fez-me perceber algo mais. Fez-me perceber que tudo o que importa na vida é o que é real. Tudo o resto só tens de deixar ir, mesmo que isso te quebre. Criei expectativas demasiado altas, deixei-me sonhar demasiado em grande, podia dizer que foi por influência, mas… Eu fiz isto a mim mesma e cheguei a um ponto que me sinto presa, sem força para me libertar.
Monic: Acho que te percebo. Sabes, a tristeza não dura para sempre. Depois do luto passar, esse peso que sentes desvanecerá. Não te deixes isolar. Eu sei que temos estado um pouco ausentes, contudo nunca distantes. Somos as tuas melhores amigas e sempre que precisares vem até nós, por mais difícil que pareça ser.
Rose: Diz-me, como fazes isso?
Monic: O quê?
Rose: Quando falo contigo, é como se fosses o meu reflexo, pareces saber exactamente como me sinto. – Estava lutando contra as lágrimas. Ela fez-me pensar nele e por mais que me custe admitir, acho que o fez de propósito. Talvez tenha razão, tenho de aceitar a dor e a tristeza sem deixar que me consumam.
Monic: Não sei. Apenas me deixo ouvir sem parcialidades. Tento ver para além do que me mostram. O que vês pode não ser o que os outros vêm e não os podemos culpar por isso. Somos todos iguais na diferença, certo?!
Rose: Sim, tens razão. Mas acho que há algo mais, és muito boa a interpretar as pessoas, como se lhes lesses as almas.
Monic: Bem, não sei quanto a isso. – Libertou um sorriso embaraçado.
Rose: Gostava de compreender as pessoas assim, compreender os motivos que as levam a tomar certas decisões… Se sabes que algo vai magoar alguém porque o fazes? Fá-lo de propósito? Queres, realmente, magoar a pessoa por quem outrora demonstraste tanto carinho?!
Monic: Não acho que o façam. – Uma vez mais, percebera exactamente a quem me referira. E, ao seu jeito, creio que me queria dar algum consolo para as dúvidas que, claramente, me perturbavam. - Acredito que todos nós fazemos o melhor que podemos baseando-nos no que conhecemos, no que sabemos ou achamos que sabemos. Se nenhum outro caminho nos for mostrado como aprendemos?!

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